sábado, 5 de novembro de 2011

O missionário, de Inglês de Sousa


 Sobre O Missionário

A obra

Desenvolvida com base no conto “O Sofisma do Vigário”, a obra O missionário, de Inglês de Souza, teve a sua primeira publicação em 1888. Romance de tese acerca do conflito entre a vocação sacerdotal e o instinto sexual, tem como protagonista Antônio de Morais, filho de um homem brutal e despótico e de uma mulher submissa e nulificada, que vivera uma infância “à solta, sempre longe de casa, nos campos, no rio, no curral, para fugir à presença terrível do velho e à negra melancolia que devorava a pobre mãe desgraçada”.
Percebendo que o afilhado não teria futuro com a educação recebida, o padrinho toma-o sob sua proteção e o envia para o Seminário, a fim de que fosse convenientemente educado. Assim, ocorre uma completa transformação no personagem, que, aos poucos, vai deixando de ser o menino “selvagem” para tornar-se “civilizado”. No entanto, em seu íntimo, constrói-se um conflito: o que fazer com o desejo que não consegue sublimar?
Antônio, então, apega-se cada vez mais à fé para abafar a natureza selvagem. Ao formar-se padre, muda-se para Silves, pequeno povoado no Pará, à entrada da selva  amazônica. E logo, pela dedicação e pela conduta, recebe o prestígio de sacerdote correto e pio. 
Entretanto, não demora muito, a rotina da pequena cidade, com suas intrigas e seus mexericos, começa a entediá-lo. Vai perdendo o idealismo. Por isso, busca uma razão maior para a sua existência e, na companhia de Macário, o sacristão, adentra a Floresta Amazônica com o intuito de catequizar os temíveis índios mundurucus.
            A partir daí, o conflito que lhe cerca a existência desde os tempos do Seminário acirra-se, e o personagem vai sendo tomado pelas forças do meio, do instinto e da hereditariedade – “matuto a meio selvagem” que era, “que saciava o apetite sem peia nem precauções nas goiabas verdes, nos araçás silvestres, nos taperebás vermelhos, sentindo a acidez irritante da fruta umedecer-lhe a boca e banhá-la em ondas duma voluptuosidade bruta”.
            A trama é composta também por personagens menores, mas não menos importantes – do ponto de vista do romance de tese –, como Macário, homem de origem pobre e sofrida que, tendo melhorado de vida em detrimento da caridade da Igreja, a tudo suporta para não perder a posição de sacristão; e Chico Fidêncio, o “pseudointelectual” que vive do jornalismo sensacionalista, da crítica ao comportamento dos moradores da vila – quando isso não lhe traz inimigos de peso – e dos escândalos dos vigários.
Partindo do regional para o universal, o autor, ao delinear e investigar, aproxima o comportamento do paraibano, do mestiço amazonense, do brasileiro, ao comportamento humano de maneira geral, sendo, ainda hoje, obra que se mantém atual. E assim é medida a importância de O Missionário, obra que não só investiga a intimidade de um padre, revelando-lhe a origem, os ideais e os conflitos, como também retrata, em detalhes e com profundidade crítica, o cotidiano de uma pequena cidade do Pará no século passado, que bem poderia representar qualquer cidade amazônica da época.

O contexto e as influências

Publicado em 1888, O missionário insere-se no movimento realista/naturalista brasileiro, iniciado em 1881 por Machado de Assis, com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, e Aluísio Azevedo, com a obra O mulato.
Podemos afirmar, estilisticamente, que o Realismo surge como oposição ao excesso de subjetivismo e emotividade do Romantismo. O movimento, originado na Europa na segunda metade do século XIX, foi fortemente influenciado por teorias científicas da época e caracterizava-se pela busca de uma abordagem objetiva da realidade, por análises por meio da ciência e pelo interesse por temas sociais.
Para os adeptos do movimento, a sociedade estava repleta de problemas que precisavam ser diagnosticados (de forma objetiva e verossímil, por isso, por intermédio da ciência) para que pudessem ser resolvidos. E esta era a intenção e a busca dos realistas: diagnosticar, mostrar o que “verdadeiramente” acontecia, sem as idealizações típicas do Romantismo.
No entanto, podemos dizer que quando a busca de um autor centra-se, exageradamente, em comprovar os fatos e as ações dos personagens do ponto de vista das ciências naturais, fazendo uso, assim, de ideias darwinistas e deterministas, a obra será naturalista. Nas palavras de Alfredo Bosi,[1] “o Realismo se tingirá de Naturalismo, no romance e no conto, sempre que fizer personagens e enredos submeterem-se ao destino cego das ‘leis naturais’ que a ciência da época julgava ter codificado”.
Em O missionário, Inglês de Souza enuncia o conflito de um padre que vai sendo dominado por seu instinto sexual, construindo, à moda dos naturalistas, uma tese determinista: a natureza selvagem (sua herança genética) é mais forte que a fé, e o conduz com força muito maior que o seu livre-arbítrio. Podemos então dizer que a obra é realista em virtude da análise objetiva dos fatos e personagens e da crítica anticlerical – a exemplo de O crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós –, e naturalista em decorrência  do determinismo antropológico que conduz a trama.

O autor

Inglês de Sousa (Herculano Marcos Inglês de Sousa) nasceu em Óbidos-PA, em 28/12/1853, e faleceu no Rio de Janeiro-RJ, em 6/9/1918. Foi professor, advogado, jornalista e escritor (nos gêneros romance e conto).
Diplomou-se em Direito pela Faculdade de São Paulo em 1876, ano em que publicou seus primeiros romances: O Cacaulista e História de um pescador. Mais tarde, em 1877, publica O coronel sangrado.
Por essas obras,  bem poderia ter sido considerado o introdutor do Naturalismo no Brasil, tendo em vista que nelas já se encontram princípios norteadores da prosa naturalista, como as investigações sobre a influência, no homem, do meio e da hereditariedade e a análise documental da sociedade da época.  No entanto, seus primeiros romances não tiveram repercussão – nem entre os escritores do período, que eram, ainda, fiéis ao Romantismo, nem entre os críticos literários.
Assim, a crítica considera fundador do Naturalismo no Brasil Aluísio Azevedo, com a obra O mulato (1881).
Inglês de Souza é considerado, no panorama da Literatura naturalista, um escritor menor, não apresenta o prestígio de autores como Émile Zola, Eça de Queirós e Aluísio Azevedo.
No entanto, com a publicação de O missionário, em 1888, ganha certa notoriedade. Podemos afirmar que a importância e grandeza dessa obra residem na visão erudita e racional do autor, que, sendo um jurisconsulto e homem de ciência, consegue ver a realidade amazonense além de seu cotidiano, gerando uma tese – a de que o homem é conduzido por forças maiores que a sua vontade, como o meio, a hereditariedade, o instinto sexual – e uma narrativa minuciosa, que vai além do banal e é capaz de explicitar – e julgar – os valores e influências de uma sociedade.
Além disso, Inglês de Souza está entre aqueles que ousaram criticar as atrocidades de seu tempo, tecendo fortes críticas à Igreja católica, que, já naquela época – e ainda hoje, como evidencia o nosso jornalismo –, apresentava escândalos por parte de seus “missionários”.
Inglês de Souza publicou, também, Contos amazônicos, em 1893.




[1] BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1976, p. 214.

2 comentários:

  1. Interessante. Já tinha visto na livraria. Mas sua resenha deu vontade de ler...

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  2. Legal! Bom saber disso! Vai gostar do livro, bem naturalista...

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